Política ou Barbárie

“A Europa foi capturada por uma folha Excel. Ainda por cima com as contas erradas. O ridículo da coisa vai de par com a tragédia humana que tem gerado. A fome e o desespero voltam a ensombrar o velho continente. Onde tivemos desenvolvimento e segurança social, temos agora idosos a serem despejados das suas casas diretamente para as ruas, crianças subnutridas e roubos de latas de conserva nos supermercados.

Isto só foi possível porque a política soçobrou perante os homens da finança. São eles que por estes dias desenham a realidade, sendo que a sua não é feita de pessoas mas de números, insaciáveis lucros e acumulação de enormes quantidades de dinheiro especulativo, ou seja, aquele que não gera nada de útil e tem como único objetivo juntar ainda mais dinheiro. Sempre me questionei, quanto mais caviar se pode comer?

Esta ocupação financeira, geneticamente antissocial, emerge em consequência do processo de descredibilização da política. Que muito se deve, diga-se de passagem, aos próprios políticos. Venal, incompetente, corrupta nalguns casos, ao serviço de irrelevantes carreiras, a política encheu-se de gente pouco recomendável. Os partidos tornaram-se máquinas de fabricação de empregos, benesses e exposição mediática, sem que o mérito conte para alguma coisa. A escada do sucesso partidário sobe-se por via da subserviência, da pequena intriga e do compadrio. O resultado está à vista. O cidadão comum detesta a política e os políticos. O maior desporto nacional, com grande participação e estímulo dos media, é dizer mal dos políticos, exibindo raivas e ódios a necessitar de imediato internamento na ala da psiquiatria.

E, no entanto, a política é a única atividade que pode tornar a sociedade habitável. Porque ao contrário dos interesses particulares, legítimos e ilegítimos, tem por missão definir as linhas de rumo que melhor servem a comunidade no seu todo. É isso que claramente tem faltado na Europa e sobretudo na presente crise. Em vez de representarem os cidadãos, a maioria dos políticos europeus decidiram representar fórmulas e cálculos só aparentemente rigorosos. A economia só é uma ciência na sua componente estatística. E essa vem demonstrando que as folhas Excel estão todas erradas.

Precisamos de um regresso em força do político. É urgente que a classe política volte a tomar as rédeas do poder que lhe foi conferido pela população. Com todas as incongruências, erros e subjetividades. Porque tudo isso por junto é bem melhor do que a atual lógica do homem ao serviço da finança.

Dirão que a política não pode fazer nada. Que quem manda são os credores e há que pagar as dívidas. Mas a história está recheada de exemplos que demonstram que a política serve precisamente para encontrar saídas nas piores situações. E, quanto a dívidas, estamos conversados. Há de tudo. Adiamentos, reduções e perdões. A Alemanha que o diga, por exemplo. À Grécia acaba de se perdoar metade da dívida. A Portugal e Irlanda já se chutou para a frente o pagamento.

Mas a questão principal é outra. Os países não pagam dívidas, vão pagando que é coisa muito diferente. Com tanto economista a comparar o orçamento do país com o familiar, um total disparate, convenceu-se o povo de um sem número de imposturas para justificar a incompetência política e a ideologia antissocial.

A superação da crise depende da capacidade da política voltar a ser uma atividade nobre realmente representativa dos cidadãos. O panorama pode não ser animador. A direita demitiu-se por completo. Aquela que se diz liberal, mais não faz do que aumentar impostos e criar um estado totalitário. A esquerda balança entre a moderação e o protesto, mas irremediavelmente dividida não consegue ser alternativa. O Presidente da República não existe. As forças sociais, a começar pelos sindicatos, que ainda há bem pouco se assanhavam contra medidas bem mais suaves, ficam-se agora pelas manifestações inconsequentes. O resto corre para as televisões para proferir banalidades. Mas, apesar disso, adaptando o “slogan” do movimento francês de Cornelius Castoriadis, o dilema é claro: “Política ou Barbárie”.”

Leonel Moura

Explore posts in the same categories: Política

Deixe um comentário